Esta foto não tem nada a ver com a estória abaixo, mas achamos que seria um desperdício ela ficar de fora desta edição

A Madrasta
Claudia Figueyra


Um dia, quando eu ainda era jovem e bela, casei com um homem que morreu meses após o nascimento de nossa segunda filha, Drizela. Anastácia, meu primeiro rebento, não era provida de beleza e Drizela era ainda mais feia. Para não dizer que ambas não tinham charme nenhum. Por essa época, pude perceber que eu não teria ajuda para criar duas crianças que, infelizmente, não teriam possibilidade alguma de encontrar um homem rico que nos pudesse sustentar. Meu marido tinha me deixado algum dinheiro, sim, mas também muitas dívidas. Dentro de quatro ou cinco meses eu e as pequenas estaríamos na pobreza. Eu amava minhas filhas assim como a coruja amava seus disformes filhotes. Não havia outro jeito, eu era mãe. Então decidi casar novamente. Descobri que na vizinhança morava um viúvo verdadeiramente rico e reservado com uma única filha por cuidar. Tomei todas as providências necessárias para conhecê-lo e começar um relacionamento. Ele era bom, gentil e atraente. A menina era a criatura mais adorável que poderia existir na face da terra e qualquer mãe estaria para sempre feliz em tê-la como filha. Deus, pensei, em Sua gloriosa sabedoria, tinha me dado, por estranhos meios, tudo o que eu poderia querer na vida. Logo desposei esse viúvo e nos tornamos uma família feliz, exceto por brigas ocasionais entre as meninas. Nada além de ciúme e pontas de inveja. Minhas filhas eram seres humanos e minha enteada era bonita demais, boa demais. Ela cantava como um rouxinol enquanto Anastácia e Drizela faziam os ouvidos doer pronunciando qualquer palavra! A enteada era sublimemente graciosa, possuía uns pezinhos pequeninos , macios e lindos louros longos brilhantes cabelos; as outras duas agiam como tolas, eram desengonçadas, com membros desproporcionais... Quando meu segundo marido misteriosamente morreu, Anastácia e Drizela passaram a tratar muito mal minha enteada e, porque percebiam meu afeto pela menina, viviam me obrigando a provar que eu as amava mais do que à pobre pequena órfã. Doía-me profundamente o coração fazer o que eu fazia, mas não havia outro jeito... Para não perder o amor de minhas filhas e também para proteger Cinderela (este foi o apelido que lhe deu Anastácia), disse a ela que abandonasse seu quarto na casa e passasse a viver no lugar dos criados. Cinderela era uma menina tão boa que me obedeceu sem dizer palavra. Ninguém era capaz de entender minhas atitudes em relação à Cinderela, mas tenho certeza de que no fundo, no fundo ela sabia que eu estava fazendo o melhor para ela. Eu acredito, sim, que ela entendia serem os meus gestos nada mais além de teatro para fazer crer a Anastácia e Drizela que eu a odiava. No entanto, eu amava Cinderela mais que minhas próprias filhas. Apesar de tudo, as meninas continuavam a tratar Cinderela como não se trata um inimigo. Mesmo nosso gato, o adorável Lúcifer, não ia com a sua cara e Cinderela era tão boazinha. Porém, nada trouxe ódio, mal humor ou feiura à jovem dama. Dia após dia, ao contrário, Cinderela parecia ainda mais linda, mais radiosa e gentil. Ninguém nunca soube, mas todas as noites eu rezava para um Príncipe encontrá-la e fazê-la feliz longe de Anastacia e Drizela.

Finalmente veio o dia em que o Príncipe ofereceu um baile e se apaixonou por Cinderela. Claro que a reconheci naquele maravilhoso vestido encantado, mas não pude dizer às minhas meninas ou me odiariam para sempre. Deus abençoe as fadas! Cinderela viveu feliz como Princesa, mas eu tive que aturar Anastácia e Drizela até o dia em que a morte me deu bom dia.


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