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No meio de Londres, aquele era o ano de 199..., a senhora Wilson estava
surpresa em ver bem à sua frente, na mesma esquina, a “Velha Loja de Curiosidades”,
o tão falado lugar que avidamente procurara em suas duas últimas viagens
à cidade. Nunca tinha conseguido encontrá-lo, embora sempre tenha seguido
rigorosamente as indicações do mapa. Mas lá, naquele preciso momento em
que encontrava a loja, parecia que uma nuvem tinha sumido dos seus olhos
- ou seria aquilo uma espécie de miragem? A “Velha Loja de Curiosidades”,
lá estava ela. Encontraria ali as aventuras, os mistérios de Londres com
os quais havia sonhado?
O lugar parecia insignificante comparado às outras casas do quarteirão.
Mas, “ora”, disse para si , “há certamente mais coisas entre a aparência
e o interior do que sonha a nossa filosofia.” E a senhora Wilson entrou
na loja abrindo cerimoniosa a porta que rangia.
Estranho como possa parecer, nada ali era de fato antiguidade ou aguçaria
a curiosidade de ninguém. A senhora Wilson tinha ficado bastante desapontada
e estava a ponto de ir embora quando um homem veio em sua direção.
“Perturbo, senhora?”, perguntou o homem.
“Não, de modo algum.”
“Deixe eu me apresentar, John Merlin.”
“Sara Wilson. O senhor trabalha aqui?”
“Não, na verdade eu sou o dono do lugar.”
“Ah, sim.”
“Encontrou alguma coisa que lhe interessasse?”
“Não, não, desculpe.”
“Por quê?”
“Pensei que encontraria aqui algumas maravilhosas e diferentes pequenas
peças, mas devo dizer, senhor, já que perguntou, que nada aqui desperta
curiosidade.”
Diante de tais palavras, o Sr. Merlin ficou estarrecido e parou com
o isqueiro na mão direita e um cigarro pendurado na boca.
“Peço desculpas se pareci um tanto ou quanto rude”, disse ela.
“Confesso,” disse o senhor Merlin,”ter me surpreendido com a sua sinceridade.
De fato nunca tinha encontrado ninguém que ousasse me dizer a verdade sobre
esta loja. Tudo o que está à mostra é um monte de porcaria, a senhora tem
toda razão. Mas se puder me acompanhar, senhora...”
“Wilson, Sara Wilson.”
“Ah, sim, senhora Wilson. Se puder me acompanhar ao quarto de trás,
tenho certeza que esta “velha loja” não irá desapontá-la.”
E cruzando o corredor, entraram em um estranho aposento coberto de
velas. Um armário escuro era a única peça de mobiliário. Do bolso do paletó,
Merlin retirou uma chave de ouro na qual estava encravado o número 666.
Sara Wilson tremeu ao reconhecer naquele o número que a numerologia atribuia
ao diabo.
“Neste armário, senhora Wilson, estão guardadas as mais preciosas e
requintadas garrafas que o homem foi capaz de criar em sua longa vida.
Dentro de cada uma há raros licores que podem trazer à tona desejos secretos,
fantasias, ansiedades ou medos que se encerram no interior mais profundo
da alma daqueles que os bebem .”
Ele abriu o armário e uma forte luz cegou a senhora Wilson por um ou
dois segundos. Quando seus olhos voltaram ao normal, mirou as garrafas
e abriu um largo sorriso. Ela nunca poderia imaginar existisse na face
da Terra tão magnífica coleção de garrafas. Merlin tomou em suas mãos a
preta, feita de puro ônix com encrustações em ouro.
“Agora, senhora Wilson, a senhora é uma mulher de coragem. Mas teria
coragem suficiente para provar um destes licores?”
“Não”, teria dito ela, mas foi tarde demais.
“Sim”, disse Sara abruptamente.
Devagar, Merlin derramou o líquido em pequeníssimo cálice de cristal.
Parecia mais com sangue coagulado que com licor. Merlin entregou o cálice
à mulher que, tremendo, fechou os olhos e bebeu.
Quando abriu os olhos, tudo estava exatamente do mesmo jeito. O senhor
Merlin trancou o armário, despediram-se e ela partiu. Do lado de fora,
o tempo estava mudado. Nuvens negras, neblina e vento. A senhora Wilson
começou a descer a rua tirando o guarda-chuva da bolsa.
Quinze minutos haviam passado e ela ainda não tinha chegado ao ponto
de ônibus que parecia tão perto. Sara olhou aqui e ali, mas ninguém mais
andava sobre as ruas. Ela continuou. Logo escutou passos atrás de si e,
preocupada, virou o rosto para ver. Ninguém. Voltando a caminhar, os passos
voltaram atrás dela. Assustada, começou a correr naquela rua infinita e
os passos correram atrás dela. Lembrou-se das histórias sobre Jack, o estripador,
e, desesperada, dobrou à direita, mas, sem sorte, era um beco sem saída.
Correu até o final da rua, encostou-se à murada e esperou. Então, a sombra
de um homem de capa escura cruzou a luz do poste e veio em sua direção.
Do interior mais profundo cresceu forte e mais forte um grito e ela berrou
estridentemente.
“Senhora Wilson! Senhora Wilson!” Segurou-a o senhor Merlin.
“Oh!” Ela exclamou em terror, acordando.
“Está tudo bem, fique calma!”
“Onde estou?”
“Na “Velha Loja de Curiosidades”, lembra-se?
“Ah, sim...” “Talvez o álcool tenha sido muito forte, a senhora desmaiou
e coloquei-a nesta cadeira.”
“Oh”, disse ela levantando, algo confusa, “obrigada, muito obrigada,
senhor Merlin, mas tenho que ir. É muito tarde e eu tenho que ir. Adeus,
senhor Merlin.”
“Adeus, senhora Wilson, prazer em conhecê-la!” Exclamou Merlin, enquanto
ela, apressadamente, descia a rua...
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