|
Conheci o professor Luiz da Câmara Cascudo quando estudava no Colégio
Atheneu, em Natal, Rio Grande do Norte, pelos idos de 1931.
Natal era então uma cidade pequena e conservadora, onde os pais preferiam
ter as filhas matriculadas no normal ou no comercial. Mulheres que seguiam
o curso superior ou mesmo o ginásio eram raras na época.
Mas, graças à insistência de um dos meus seis irmãos, acabei indo para
o colégio Atheneu. Nossa turma era a terceira ou quarta do ginásio em que
meninas eram aceitas. Nas primeiras turmas haviam uma ou duas meninas,
e a nossa já contava com seis ao lado de vinte e tantos rapazes. Um acontecimento
e tanto que acabou fazendo com que o diretor tivesse que contratar uma
inspetora. Então, chegou a d. Sancha para zelar pelo bom comportamento
entre nós e os rapazes. Mas, eles nos protegiam como irmãos, irmãos ciumentos,
que não apreciavam nossos flertes com os rapazes do outro colégio, o Maristas.
No Atheneu tive a oportunidade de conhecer professores que me ensinaram
valores que procuro preservar até hoje. Mas o Professor Cascudinho, como
era carinhosamente chamado, se destacava dos demais. Não estou falando
dos livros que escreveu, nem do seu profundo conhecimento do folclore brasileiro.
Estou falando do homem inteligente, liberal e inovador. Do mestre que sabia
contar a História do Brasil, e que além do dom de ensinar, tinha o dom
de nos abrir horizontes.
Não havia nele a postura rígida, comum aos professores da época. Jamais
se preocupava em nos fazer decorar as datas das Capitanias Hereditárias
ou da estadia de Maurício de Nassau em Recife, por exemplo. Fazia-nos absorver
os conceitos principais acerca dos fatos históricos e uma noção aproximada
das datas em que ocorreram. Aprendíamos assim rápida e descontraidamente,
de forma tão agradável quanto podíamos conversar com ele pelos corredores
do colégio.
"- D. Anita, a senhora poderia ler para os seus colegas?"
- Apesar da nossa idade, entre doze e treze anos, éramos tratadas por senhora.
- "Claro, Professor Cascudinho".
Luiz da Câmera Cascudo era um homem charmoso, ou melhor, com "it",
como costumavamos dizer, naquele tempo. Tinha acabado de completar seus
estudos na Europa e usava sempre ternos claros, enquanto a maioria dos
homens vestia roupas escuras.
Também fora das aulas as nossas conversas eram agradáveis. Por isso,
passados tantos anos, escrever sobre o Professor Cascudinho me trouxe um
grande prazer.
Rio, julho de 1996.
|